Ainda sobre o carnaval, uma grande derrota da direita

Nas duas últimas semanas, nas colunas que fiz para a causa Operária TV, tratei sobre a questão do carnaval e da luta contra o golpe. Passado um pouco mais de uma semana do fim oficial do carnaval, gostaria de recolocar algumas questões sobre o carnaval, as manifestações culturais e a luta política. Como era esperado, esse carnaval foi uma enorme demonstração da impopularidade da direita golpista e um gigantesco palco de manifestações contra o golpe nas ruas do País.

Aproveitamos para parabenizar a escola de Samba Paraíso do Tuiuti que, embora seja uma escola considerada pequena em comparação com as grandes escolas tradicionais do Rio de Janeiro, ficou em segundo lugar com diferença de um décimo para a primeira colocada. Essa diferença de um décimo, na verdade, coloca a Tuiuti como campeã. Isso porque a campeã oficial, Beija Flor, realizou um desfile que era uma peça de propaganda direitista. Não somente uma defesa do golpe, mas uma defesa da política mais reacionária, como por exemplo, a ideia de que a polícia é uma enorme vítima da sociedade. Para isso, chegaram até a cometer uma espécie de sacrilégio cultural ao fazer uma representação da Pietá de Michelângelo, com a mãe segurando um PM morto.

A Beija Flor colocou um verdadeiro coxinhato na avenida, fazendo propaganda de tudo aquilo que a direita coxinha gosta: a moralidade contra a corrupção, a defesa da repressão. O desfile da Beija Flor foi como as selfies que os coxinha tiravam com a tropa de choque nos atos a favor do impeachment. O enredo foi claramente encomendado para fazer campanha do golpe. Os golpistas, liderados pela própria rede globo, já se antevendo aos protestos contra o golpe, encomendaram o desfile da Beija-Flor. É preciso lembrar que outras escolas também fizeram protestos contra a direita, como foi o caso de Mangueira que criticou a campanha contra o carnaval por parte da direita. A mangueira, uma das mais tradicionais escolas do País, fez um desfile político, criticando o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, o corte de verbas e a repressão ao carnaval.

O enredo da Beija Flor tanto foi uma encomenda que fica clara que foi preciso forçar a barra para relacionar os 100 anos do romance de romance de Frankenstein com a situação política no País. Uma peça de propaganda pura e simples. Como bem definiu o companheiro Rui Costa Pimenta na Análise Política da Semana do dia 17, a Beija-Flor fez muita propaganda e pouco carnaval.

Muito diferente do que apresentou a Tuiuti, um desfile belíssimo sobre a escravidão de ontem e de hoje, apresentando um Michel Temer vestido de vampiro, criticando a reforma trabalhista com carteiras de trabalho queimadas e “paneleiros” com camisas da CBF manipulados em um carro alegórico. Uma ala representava os patos da FIESP montados por paneleiros também manipulados como fantoches. Os compositores do belo samba-enredo são Cláudio Russo, Moacyr Luz, Dona Zezé, Aníbal e Jurandir. Moacyr é parceiro antigo de Aldir Blanc, compositor que recentemente se manifestou abertamente contra o golpe quando uma de suas canções mais famosas, O Bêbado e a equilibrista, em parceria com João Bosco (que também protestou), foi usada pela Polícia federal para dar nome de “Esperança Equilibrista” em operação que resultou na invasão, intervenção e condução coercitiva dos reitores da Universidade Federal de Minas Gerais. A beleza do samba-enredo já garantiu a vaga da canção entre aquelas que ficarão para a posteridade.

Voltemos ao desfile-coxinha da Beija Flor, que se sagrou campeã com a benção da Globo e dos golpistas. É importante dizer que esse desfile encomendado antecipou aquilo que o governo golpista fez logo após o carnaval: a intervenção militar. A Beija Flor não só foi o coxinhato na avenida, como foi a propaganda que preparou o clima para que Temer enviasse as Forças Armadas para o Rio. Uma vergonha para uma escola de samba que deveria, como é genuíno no samba e no carnaval, defender os interesses do povo negro e pobre.

Mas essa não é a única vergonha da Beija Flor e nem mesmo a única ligação com os militares. A escola ficou conhecida nos anos 70 pelas homenagens que prestou à ditadura militar. Em 73, 74 e 75 os enredos da Beija Flor exaltavam os feito entre aspas do regime militar. Apenas para destacar um deles, o enredo de 75 exaltava o decênio do golpe. Enquanto os militares torturavam, matavam e reprimiu o povo, a Beija Flor era usada como instrumento de propaganda da ditadura. Parece que as coisas não mudaram muito hoje. Enquanto o povo sofreu um golpe, os direitos estão sendo destruídos e agora esses golpistas enviam os militares para intervirem no Rio de Janeiro e reprimir ainda mais duramente o povo das favelas, a Beija Flor faz campanha de propaganda teleguiada pela Globo.

A necessidade de os golpistas terem uma escola que fizesse a propaganda do golpe mostra ao mesmo tempo a impopularidade da direita e mostra também que, apesar de todo o poder dos monopólios como a Globo, agindo em conjunto com os militares e a serviço do imperialismo, o povo nas ruas e as manifestações culturais legítimas e genuínas são sempre um perigo, são sempre um grito de resistência e um enfrentamento à burguesia.

A presença do povo na rua, por mais despretensiosa que possa ser acaba evoluindo para uma enorme manifestação política. É preciso ter em mente que a população na rua e organizada é o pior dos mundos para a direita. Por isso a burguesia se esforça para impor que as pessoas fiquem em suas casas, como fica claro no absurdo toque de recolher imposto por João Doria no carnaval de São Paulo, obrigando as pessoas a saírem das ruas às 8 horas da noite, colocando a polícia e a guarda para dispersar o povo com bomba de gás e bala de borracha.

O povo na rua é um perigo, ainda que à primeira vista as intenções iniciais sejam apenas apenas culturais. Aliás, não à toa, a cultura e a liberdade de expressão também são um perigo para a direita. O carnaval é do povo e por isso é ele também é o local da livre expressão e assim, o momento de protestar.