O público pode te matar

Censurinha de leve” deve ser uma das melhores charges de Vitor Teixeira. Além da charge em si, que acerta em cheio ao denunciar o caráter de certas panelinhas fascistoides que tentam calar todo o mundo no grito, há um desdobramento performático se você entende a obra e parte das reações a ela como uma unidade.

O público pode te matar
Ana Abramovic, durante performance Ritmo 0, realizada em 1974 em Nápoles, Itália.

Na arte performática contemporânea, a autoria se dissolve, o público participa da criação ao interagir com o artista. Por exemplo, na performance Ritmo 0, da precursora Marina Abramovic, realizada em 1974, em Nápoles, na Itália, o público foi autor junto com ela.

A artista ficou parada durante 6 horas diante de uma mesa com 72 objetos. No final ela saiu bastante machucada, espetaram coisas nela e um dos presentes chegou a brincar com a arma carregada que estava entre os objetos disponíveis, gerando discussões no local, sob uma atmosfera tensa e agressiva. Sobre essa obra, Marina Abramovic declarou, entre outras coisas, o seguinte: “O que eu aprendi é que se você deixar nas mãos do público, eles podem te matar.”

Voltando ao Vitor Teixeira, aconteceu algo nas reações à charge que não é a primeira vez que acontece: quem não gostou do desenho reforçou justamente o argumento apresentado pelo chargista ao desenhá-lo. Pessoas de verdade se apresentaram para fazer o papel de uma caricatura.

Enquanto uns exigiam “retratação”, bedéis virtuais ameaçavam denunciar a charge e voluntaristas praguejavam dizendo que o chargista perderia todo seu público. Outros, mais exaltados, declaravam-se inconformados com a existência do desenhista, gostariam de matá-lo se tivessem a chance e a coragem. Revelavam assim seu desejo de, se pudessem, censurar a própria charge, uma charge sobre censura.

Reproduziam justamente o comportamento obscurantista satirizado desde o começo. Vitor Teixeira raramente responde comentários, e dessa vez não tinha mesmo a menor necessidade de fazê-lo. Seus críticos já estavam retratados de antemão. Eles mesmos demonstraram a pertinência e o acerto da charge, caso ainda houvesse alguma dúvida. Completaram e deram vida ao sentido da obra, ainda que na modesta função apendicular de ilustração de uma ilustração.