Intervenção militar no Rio: às favas com a Constituição

Intervenção militar no Rio: às favas com a Constituição
Villas Bôas, Jungmann e Etchegoyen.

A Constituição não permite, mas quem governa não são mais os três Poderes. A intervenção militar no Rio de Janeiro mostra que os preparativos para um golpe militar avançaram rapidamente. É um ensaio geral para o que vem pela frente se os militares conseguirem tomar o poder.

Eduardo Villas Bôas, o comandante maior do Exército, e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Sérgio Etchegoyen, conseguiram o que queriam. A garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio está suspensa.

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, foi porta-voz dos militares e explicou o plano: ““Em lugar de você dizer rua tal, número tal, você vai dizer digamos uma rua inteira, uma área ou um bairro. Aquele lugar inteiro é possível que tenha um mandado de busca e apreensão. Em lugar de uma casa, pode ser uma comunidade, um bairro ou uma rua”.

A medida torna letra morta o Código de Processo Penal, no seu artigo 243, que diz que “o mandado de busca deverá: I – indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem; II – mencionar o motivo e os fins da diligência”.

É a segunda decisão a liquidar direitos e garantias democráticas individuais em menos de um mês. A outra é a autorização para que o ex-presidente Lula seja preso, antes do trânsito em julgado do processo-farsa do triplex.

A medida que escancara a preparação de um golpe militar foi, ela própria, testada em diversas oportunidades nos últimos anos. As intervenções militares dos últimos anos contaram com esse respaldo em 2017, no Jacarezinho e outras quatro favelas; em 2016, na Cidade de Deus, quando as polícias Civil e Militar entrarem nas casas sem autorização; em 2014, para a Força Nacional de Segurança, na favela da Maré; em 2011, na Vila Cruzeiro, Penha e no Complexo do Alemão.

Ainda que o Ministério Público Federal tenha considerado a decisão ilegal, Jungmann e o ministro da Justiça, Torquato Jardim, se entenderam. Enquanto o último disse que “o mandado de busca e apreensão não pode ser genérico, isso a Constituição não permite […] Portanto, esses mandados de busca e apreensão conterão um número maior ou menor de pessoas em razão do objetivo do inquérito que estará sendo realizado”; o primeiro afirmou que “não há mandado coletivo. Há mandado de busca e apreensão, que, conforme a operação, se dedicará a um número maior de pessoas”.

Eis a solução: dizer que não são coletivos, mas permitir mesmo assim. “Ele [Jardim] diz o mesmo que nós com outras palavras”, disse Jungmann  “Tucanaram” a ditadura.

A medida tem o respaldo de todo o governo. Quer dizer, dos reféns civis dos militares que realmente mandam no País.

O comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, disse que é necessário dar aos militares uma “garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade”.

Uma “Comissão da Verdade”? Sim, como aquela que investigou torturas, assassinatos, sequestros e o abuso dos militares ao longo de 20 anos de ditadura.

E o comandante não disse isso a um amigo, um confidente, ou a seus próprios comandados, os maiores interessados em atuar livres das consequências de seus atos. Falou ao Conselho da República, à presidência, ao comando do Congresso e do Judiciário.

É a declaração pública de que os militares farão no Rio de Janeiro (e para o quê precisam da suspensão dos direitos individuais) o mesmo que fizeram durante a ditadura militar.

Não foi à toa que o próprio Villas Bôas declarou recentemente que “o Exército é o mesmo de 1964”, apenas as “condições mudaram”. Está decifrado o quebra-cabeças. A ditadura será a mesma, e as condições que haviam mudado com a Constituição de 1988, foram novamente mudadas, transformadas na “legislação” dos Atos Institucionais e da Constituição de 1967-69.

Quem está no comando?

Além do homem do “Exército de 1964”, dirigem a operação o general Braga Neto, que acumula o papel de interventor com o de responsável pela condução da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que está em vigor no Rio desde meados do ano passado, e o general Sérgio Etchegoyen, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, arquiteto da intervenção militar no Rio.

A “Comissão da Verdade” do futuro, que estão tentando evitar (se é que venha a acontecer), tampouco serve para impedir os crimes que as Forças Armadas planejam cometer.

Etchegoyen já deu sua opinião, ela foi “patética e leviana”. Será inútil se os militares conseguirem o que querem.

Depois do golpe virão a cassação dos partidos políticos, a suspensão dos direitos e garantias constitucionais restantes, o endurecimento da repressão, perseguição, tortura, mortes etc.

Há como evitar o desastre. É preciso uma ampla mobilização popular para derrotar a intervenção militar no Rio de janeiro, impedir a prisão de Lula, protestar contra a invasão e o golpe militar na Venezuela, impedir o golpe militar e o estabelecimento da ditadura que os golpistas estão tentando estabelecer. A lei, desrespeitada pelos juízes, o governo e os militares, não defende o povo contra a arbitrariedade. O povo, portanto, não está obrigado a respeitar os criminosos que controlam hoje o Estado e seu braço armado.

O caminho é a agitação política nos bairros operários e favelas, nos morros cariocas e nas cidades operárias da baixada fluminense e na grande rio. É a mobilização da classe operária no ABC paulista, da juventude nas escolas e universidades, para ocupar São Bernardo e impedir a prisão de Lula. É a mobilização de massas nas ruas para desmantelar a intervenção militar, impor uma derrota aos golpistas.