Esterilização forçada: não são apenas “casos isolados”

O caso de esterilização involuntária de Janaína Quirino de Mococa, ocorrido recentemente  reacendeu  uma suspeita de pesquisas realizadas na área sobre a questão.

A blogueira Bruna de Lara que escreve para o TheIntercept.com levantou dados do SUS preocupantes, as laqueaduras de emergência em 2017 foram, pela primeira vez, mais comuns do que as eletivas. Comparando o primeiro trimestre deste ano com o de 2008, o número de esterilizações urgentes duplicou. A pergunta que resta seria: o que é uma laqueadura de urgência?

A laqueadura, também conhecida como ligadura de trompas, é uma cirurgia de esterilização feminina, que se destina a evitar a gestação, como pode ser laqueadura de urgência?

A pesquisadora perguntou para funcionarias do sistema de saúde, enfermeiras que relataram não existir laqueadura de emergência, é utilizada quando foi identificado risco a saúde da mulher em futura gestação, ou seja, razões médicas.

Podemos pensar que então esse termo é mais usado no universo jurídico, quando as esterilizações tem determinação judicial?

As leis no país autorizam a esterilização forçada ao mesmo tempo em que penalizam o aborto e dificultam os procedimentos de esterilização voluntária, muitas mulheres que desejam fazer a laqueadura tem encontrado dificuldade no Sistema Único de Saúde para realizar o procedimento.

Como vimos recentemente os juizes da cidade de Mococa, Osasco e várias outras localidades pelo Brasil afora tem se utilizado de uma brecha na legislação que permite intervenção judiciária para realização do procedimento em uma pessoa considerada incapaz, como no caso de Janaína, por ser uma usuária de drogas.

Para relembrar, a lei nº 9.263 de janeiro de 1996, é a lei que regulamenta  o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências,  trata da esterilização voluntária.

O Art. 10 estabelece que “somente é permitida a esterilização voluntária nas seguintes situações: I – em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluíndo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce;”

Essa  Lei define que o planejamento familiar é o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de Constituição, limitação ou aumento de prole pela mulher, homem ou casal. Ou seja, esse planejamento deve ocorrer através de ações preventivas e educativas e com a oferta de métodos e técnicas de concepção e contracepção que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas.

A hipótese para o aumento das laqueaduras urgentes é a versão do jeitinho brasileiro na esterilização. A brecha pode ocorrer para por exemplo fugir do critério “ter que pedir permissão ao marido”, arrisca Carmen Lucia Luiz, coordenadora da Comissão Interdisciplinar de Saúde da Mulher do Conselho Nacional de Saúde.

Não é coincidência que em 2017, as laqueaduras em cesarianas também tenha ultrapassado as esterilizações feitas em outros momento da vida. É um acontecimento inédito desde a aprovação da Lei de Planejamento Familiar, que proibiu as laqueaduras no parto para evitar cesarianas desnecessárias. Antes dela, médicos e pacientes combinavam cesáreas para encobrir as laqueaduras, ainda não legalizadas. Assim, os custos do hospital com a cirurgia eram reembolsados pelo SUS, e os profissionais, muitas vezes, recebiam pelo procedimento extra por fora.

Seis de cada dez laqueaduras de urgência aconteciam no parto, há dez anos, hoje, são 90% e a maioria em mulheres negras. Segundo dados obtidos via Lei de Acesso à Informação, em 2017, elas foram submetidas ao procedimento 2,5 mais vezes do que em 2008. Em 2008, 32,7% de todas as laqueaduras eram feitas em negras, e 32,8% em brancas. Hoje, são 43,5% em negras, e 29,9% em brancas.

Outra hipótese para explicar as urgências  é o aumento das gestações de alto risco. Em 2002, só 5,8% das cesáreas feitas no SUS eram em gestações arriscadas. Ano passado, já eram quase 20%. Para a ginecologista da UFRJ Michele Pedrosa, o aumento desse tipo de gravidez tem a ver com uma piora da saúde pré-natal nos últimos anos, que pode levar às laqueaduras no parto.

O fato é que o caso Janaína reacendeu a discussão pois duas comissões da Camara dos Deputados se reuniram para discutir esse caso, só no ultimo mês.

Um país que não permite que a mulher tenha autonomia em seu próprio corpo para realizar o aborto e por outro lado tem aumentado o numero de laqueaduras compulsórias é no mínimo contraditório.

Como é sabido a esterilização é o método mais comum de contracepção no Brasil e já foi alvo da CPI das laqueaduras em tempos passados.  Mas  o histórico brasileiro combinado com a ausência de informações e a dificuldade de acesso a outros métodos contraceptivos, faz com que nem sempre essa opção seja consciente, torna-se portanto perigosa.

A luta pela garantia e pelos avanços das mulheres é, logo, a luta contra o golpe. Derrotar os golpistas faz parte das garantias de perspectivas positivas na condição de vida de todas as mulheres.